O Porquê da Imigração Italiana

No final do século XIX, o grande objetivo do imigrante italiano era abandonar a Itália, querida e amada como pátria-mãe, porém odiada por causa do regime opressor e explorador que era imposto aos trabalhadores. Um trabalho digno era o grande sonho desse imigrante que aspirava a um ganho decente em que fosse possível melhorar a sua vida miserável. Alcançar a liberdade, conseguir um lugar digno para morar, abandonar definitivamente o padrone, faziam parte desse desejo.

“Noi italiani lavoratori
allegri andiamo in Brasili
e voi altri D’Italia signori
lavoratelo il vostro badile
se volete margiare”.
“Nós trabalhadores italianos
vamos contentes para o Brasil
e vocês, nobres da Itália,
peguem na pá
se quiserem comer”.
Poema vêneto

Para compreendermos melhor o processo de imigração dos povos, sejam europeus, asiáticos ou de quaisquer outras regiões do mundo, devemos, antes de tudo, voltar nosso olhar ao início da civilização, da Idade Média aos nossos dias.

Sempre houve emigração, ocasionada pela falta de expectativa e de meios de subsistência para os povos de diversas regiões. Os nômades, por exemplo, desde o princípio, se deslocavam em busca de comida e água como forma de sobrevivência. Com o crescimento da condição de vida humana, destacando-se o desenvolvimento da agricultura, descobriu-se que poderiam ser renovadas as fontes de alimento, a criação de animais (para obter a carne), não havendo mais necessidade de se recorrer à caça selvagem. Assim, os povos começaram a se fixar em diversos lugares, surgindo os aglomerados de indivíduos, vilas, até chegarem às cidades de hoje.

Não podemos nos esquecer de que as guerras, as conquistas de novos espaços, o desenvolvimento tecnológico, científico e cultural fizeram com que os povos saíssem da terra natal e descobrissem outras praticamente desabitadas. As Américas, a Austrália e diversas áreas incipientes de nosso planeta instigaram um grande número de emigrantes a deixarem os países de origem em busca de novas expectativas de vida, trabalho e segurança.

Poderíamos, então, perguntar: por que atualmente persiste no homem o desejo de encontrar novos espaços fora do próprio país? Certamente as razões são as mesmas do passado: adquirir melhores condições de vida, pois, quanto mais conhecemos os nossos meios tanto próximo como longínquo, mais nos beneficiamos, conseqüentemente a humanidade. Porém, deixar a própria terra, abandonar seu lugar de nascimento, para o emigrante, sempre foi muito difícil, pois reconhecia que numa terra desconhecida as dificuldades seriam maiores.

Fixando-nos no período que desejamos estudar e no país a ser analisado, iremos nos situar na Itália (1875-1925), mais especificamente na região do Vêneto.

No Vêneto de hoje, é muito difícil não encontrarmos uma família que não tenha tido um parente, um amigo ou mesmo um vizinho que não experimentara os dissabores ou a fortuna de uma imigração. Atualmente, ainda existe imigração sazonal (pessoas que se deslocam do país de origem para outros vizinhos), pois possuem habilidades para produzir “gelato” (sorvete artesanal). Obviamente não se compara às imigrações que ocorriam no passado, mas aproximadamente 30 mil pessoas passam grande parte do ano na Suíça, França, Alemanha etc. trabalhando nas gelaterias, só retornando para suas terras por um curto período, sempre no inverno.

Vê-se, portanto, que essa imigração é muito diferente da que ocorreu no final do século XIX e início do século XX, pois aquela sucedia em massa — famílias inteiras, pequenas vilas de trabalhadores agrícolas, do comércio e da indústria saíam da Itália em busca de melhores condições de vida, segurança e desenvolvimento cultural para si e seus descendentes. Assim, no período de 1875 a 1925, mais de 15 milhões de italianos abandonaram o país, após a Unificação Italiana (1861), motivados pela industrialização do campo, as guerras na Europa e no norte da África, impostas pelos proprietários de terra aos contadini e braccianti (trabalhadores braçais) e das situações de privilégio da burguesia urbana.

O Vêneto, ao norte da Itália, mais precisamente no nordeste italiano, apesar de ser considerada hoje uma região privilegiada (a mais alta renda per capita da Europa), também tinha seu regime de propriedade de terra calcada no feudalismo e no semifeudalismo. As grandes propriedades, melhor dizendo, os grandes latifúndios, localizavam-se nas planícies e nas pequenas e médias propriedades nas regiões de montanhas e colinas. A nossa família estava situada na região de planície, no município de Godega di Sant’ Urbano, bairro de Bibano, Província (Estado) de Treviso.

O trabalho da família agrícola era árduo, não só pela carga horária exaustiva, mas também porque todos os seus membros, indiscriminadamente, deveriam trabalhar: os jovens de 6 a 7 anos cuidavam do pastoreio das ovelhas; com mais 2 ou 3 anos, ajudavam os adultos na limpeza dos estábulos, já manejando a enxada; a partir dos 15, iam para o campo realizar o trabalho adulto; esses jovens ainda eram obrigados a freqüentar a escola. A mulher tinha obrigação de cuidar da casa e também produzir alguma coisa para ajudar na renda familiar.

As condições de moradia eram as piores possíveis, habitavam em casas de campo, geralmente casebres ou casas assobradadas, sempre mal-acabadas com frestas através das quais se podiam ver, no seu interior, evidências de fragilidade e pobreza; as janelas e portas serviam apenas para diminuir um pouco a entrada do vento e do frio durante o inverno.

No que se refere à alimentação, os pequenos proprietários lutavam para tirarem o sustento do campo; por outro lado, os arrendatários e os meeiros ainda tinham de dividir toda a produção com os donos da terra. Os acordos eram feitos no início do plantio: estipulava-se uma porcentagem que poderia chegar até “cinqüenta por cento” do total estabelecido. Como a produtividade do campo era baixíssima, sobrava muito pouco para a alimentação, haja vista a presença predominante da “polenta” na mesa desses trabalhadores.

As famílias enfrentavam ainda outro problema muito grave: além das condições socioeconômicas vividas, era o serviço militar obrigatório, retirando das casas, por um período de quatro anos, o braço mais forte para o trabalho; além do mais, não raramente eram levados para as guerras, que eram constantes, para nunca mais voltar. Como se não bastassem as perseguições aos trabalhadores agrícolas pela peste, criou-se o “imposto da moagem” — uma taxa cobrada às camadas mais pobres, com o objetivo de favorer as classes dominantes, que os odiavam devido ao “fervor religioso” que esses trabalhadores braçais possuíam.

Podemos dizer que, em determinadas regiões como o Vêneto e na Itália Meridional, a crise agrária tornou-se sinônimo vivo de expulsão, levando o povo italiano a um único caminho: a imigração. O sonho de ser proprietário de terra era uma constante na mente dos contadini e braccianti. O desejo de libertar-se do padrone — que sempre os exploravam —, e a vontade de livrar-se das condições subumanas de vida e libertar-se para o trabalho eram ressaltados diariamente nos encontros de famílias “filos” e das comunidades. Todavia como poderiam ser proprietários de terras se estas estavam nas mãos dos reis, da Igreja, dos aristocratas, dos burgueses, que também eram grandes latifundiários, enfim os senhores de tudo? A pesquisa agrária de 1877 veio ressaltar essa condição insustentável, que dia após dia alimentava o desejo de ser proprietário da almejada terra, e que certamente não estava em território italiano.